sábado, 26 de dezembro de 2015

Hora 17:30 por Unknown na categoria , ,    Sem comentários
MEDITAÇÃO não é fuga ao mundo; não é atividade egocêntrica, isolante, porém, antes, a compreensão do mundo e seus usos. Pouco tem o mundo para oferecer, além de alimento, roupa e morada, e do prazer com seu séquito de aflições.

A meditação é um movimento para fora deste mundo; pois temos de ficar fora dele. Então, o mundo tem significação e é constante a beleza do céu e da terra. Então, o amor não é prazer. Daí nasce uma ação que não é resultado de tensão, de contradição, da busca de preenchimento, ou da arrogância do poder.

Nosso quarto dominava o jardim e, trinta ou quarenta pés abaixo, estendia-se o largo rio, sagrado para alguns, mas para outros uma bela extensão de água, aberta aos céus e à glória da alvorada. A outra margem era sempre visível, com sua aldeia e suas árvores copadas e o recém-plantado trigal de inverno. Do quarto via-se a estrela matutina e o Sol elevar-se lentamente acima das árvores; e o rio estendia uma senda de ouro para o Sol.

De noite o quarto era muito escuro e a larga janela mostrava todo o céu do sul. Nesse quarto, certa noite, entrou, com muito alvoroço - uma ave. Acendendo a luz e saltando ao chão, vimo-la debaixo da cama. Uma coruja. Media cerca de um pé e meio de altura, tinha olhos enormes e um bico temível. Ficamo-nos fitando, bem perto um do outro, a poucos pés de distância. Assustava-a a luz e a proximidade de um ser humano. Assim estivemos largo tempo, a encarar-nos sem pestanejar e nem uma só vez ela perdeu a sua altivez e sua selvagem dignidade. Viam-se-lhe as garras cruéis, as leves penas e as asas, apertadas contra o corpo. Tínhamos vontade de tocá-la, de afagá-la, mas isso de modo nenhum ela permitiria. Assim, pouco depois, apagamos a luz e por alguns momentos houve silêncio no quarto. Passados alguns instantes, um bater de asas - sentimos o ar contra o rosto - e a coruja saiu pela janela. Não voltou mais.

Era um templo muito antigo; dizia-se que devia ter mais de três mil anos, mas sabe-se como o povo exagera. Sem embargo, ele era velho; fora templo budista e cerca de sete séculos atrás tornara-se templo hinduísta, sendo o Buda substituído por um ídolo hinduísta. Dentro era muito escuro e a atmosfera misteriosa. Havia pórticos com colunatas, longos corredores belamente entalhados, e sentia-se um cheiro de morcegos e de incenso.

Os devotos, recém-banhados, vinham entrando, de mãos postas, e circulavam por esses corredores, prostrando-se toda vez que passavam diante da imagem, vestida de sedas brilhantes. Um sacerdote cantava no santuário e era agradável ouvir o sânscrito bem pronunciado. Cantava sem pressa, e as palavras vinham, claras e graciosas, das profundezas do templo. Havia crianças, mulheres idosas e homens moços. Os homens que exerciam profissões tinham guardado suas calças e casacos europeus e vestido dhotis, e ali estavam de mãos postas e ombros nus, com muita devoção, sentados ou de pé.

E havia um poço cheio de água - um poço sagrado - com um grande número de degraus que a ele desciam e, em torno dele, colunas de rocha esculpida. Entramos no templo, deixando a rua cheia de poeira e de barulho, batida por um Sol brilhante e causticante e ali havia muita sombra e paz. Não se viam círios, nem pessoas ajoelhadas, porém apenas os que tinham feito a romaria em torno do santuário, a mover silenciosamente os lábios, em oração.

Naquela tarde veio visitar-nos um homem. Disse-nos ser crente do vedismo. Falava muito bem inglês, educado que fora em uma de nossas universidades, e tinha um intelecto brilhante, arguto. Advogado, ganhava muito dinheiro e seus olhos penetrantes nos olhavam especulativamente, estimativamente, e  com certa ansiedade. Parecia ter lido muito, inclusive alguma coisa da teologia ocidental. Homem de meia idade, um pouco magro, alto, com a dignidade do advogado ganhador de muitas causas.

Disse: "Ouvi-vos falar, e o que dizeis é puro vedismo, modernizado, mas da velha tradição". Perguntamos-lhe o que entendia por vedismo. Respondeu: "Senhor, nós cremos que só existe Brahma, que cria o mundo e sua ilusão; e o Atman - que habita todo ser humano - pertence àquele Brahma. O homem deve despertar dessa consciência cotidiana da pluralidade e do mundo manifesto, assim como se desperta de um sonho. Tal como o sonhador cria a totalidade do seu sonho, assim a consciência individual cria a totalidade do mundo manifesto e das outras pessoas. Vós, senhor, não dizeis tudo isso, mas decerto o tendes em mente, porque nascestes e fostes criado neste país e, embora tenhais passado a maior parte de vossa vida no estrangeiro, sois uma parte desta antiga tradição. A índia vos produziu, quer vos agrade, quer não; sois produto da Índia e tendes mentalidade indiana. Vossos gestos, vossa imobilidade de estátua, quando falais, todo o vosso aspecto participa desta velha herança. Vosso ensino é decerto a continuação de tudo o que os nossos antepassados ensinaram, desde há tempos imemoriais".

Deixemos de parte esta questão, se este que está falando é um indiano criado nesta tradição, condicionado nesta cultura, se representa uma síntese do antigo ensino. Em primeiro lugar, ele não é hindu, isto é, não pertence a esta nação ou à comunidade dos brâmanes, embora nela nascido. Rejeita toda essa tradição de que o estais revestindo. Nega que seu ensino seja a continuação dos ensinos antigos. Não leu nenhum dos livros sagrados da Índia ou do Ocidente, porque eles são desnecessários ao homem que vê claramente o que se está passando no mundo - o comportamento dos entes humanos, suas intermináveis teorias, a propaganda, aceita sem protesto, de dois ou cinco mil anos, a qual se tornou a tradição, a verdade, a revelação.

Para esse homem que total e completamente rejeita a palavra, o símbolo e sua influência condicionadora, a Verdade não é uma coisa de segunda mão. Se o tivésseis escutado realmente, senhor, saberíeis que desde o começo ele tem dito que a aceitação da autoridade é a negação mesma da Verdade, e tem repisado que devemos ficar fora de toda cultura, tradição e moralidade social. Se o tivésseis escutado, não diríeis que ele é um indiano ou que está continuando a tradição antiga, traduzida em linguagem moderna. Ele rejeita totalmente o passado, seus instrutores, seus intérpretes, suas teorias e fórmulas.

A Verdade nunca está no passado. A verdade do passado são as cinzas da memória; a memória pertence ao tempo, e nas cinzas frias de ontem não se encontra a Verdade. A Verdade é uma coisa viva, não contida na esfera do tempo.

E agora, varrido tudo isso, podemos considerar a questão central do Brahma em que credes. Positivamente, senhor, a própria asserção dessa crença é uma teoria inventada por um espírito imaginativo - seja Shankara, seja o moderno e douto teólogo. Podeis "experimentar" uma teoria e dizer que, deveras, assim é; mas isso é ser como um homem criado e condicionado num mundo católico e que tem visões do Cristo. Tais visões, é óbvio, são a projeção de seu próprio condicionamento, e os que foram criados na tradição de Krishna têm experiências e visões oriundas de sua cultura. A experiência, por conseguinte, não prova nada. Reconhecer a visão como sendo de Krishna ou de Cristo é o resultado de conhecimento condicionado; tal visão, portanto, não é real, em absoluto, porém uma fantasia, um mito robustecido pela experiência e totalmente nulo. Porque necessitais de alguma teoria e porque aceitais alguma crença? Essa constante asserção de crença é sinal de medo - medo da vida de cada dia, medo do sofrimento, medo da morte e da total sem significação da vida. Por conseguinte, inventa-se uma teoria, e quanto mais sutil e erudita essa teoria, mais peso tem. E após dois ou dez mil anos de propaganda, ela se torna, invariável e irracionalmente, "a verdade".

Mas, se não aceitais nenhum dogma, vos vedes então frente a frente com o que realmente é. Esse "o que é" é pensamento, prazer, sofrimento, e o medo da morte. Compreendendo a estrutura de vosso viver diário - com sua competição, avidez, ambição e busca do poder - vereis não só a absurdeza das teorias, salvadores e gurus, mas também encontrareis a terminação do sofrimento, a terminação de toda a estrutura construída pelo pensamento.

A penetração e compreensão dessa estrutura é meditação. Vereis então que o mundo não é uma ilusão, mas uma terrível realidade que o homem, nas relações com seus semelhantes, construiu. Isso é que se precisa compreender e não essas teorias extraídas do vedismo, com os rituais e todo o aparato da religião organizada.

Quando o homem, sem nenhum motivo, é livre de medo, inveja ou sofrimento, só então a mente está naturalmente em paz e tranquila. Pode então não só ver a verdade na vida diária, de momento em momento, mas também transcender toda a percepção; por conseguinte, termina o observador e a coisa observada, cessa a dualidade.

Mas, além de tudo isso, e sem relação com essa luta, essa vaidade e esse desespero - e isto não é uma teoria - existe uma corrente sem começo nem fim; um movimento imensurável que a mente jamais pode apreender.

Ouvindo isto, senhor, ireis certamente construir uma teoria, e se gostardes dessa nova teoria, tratareis de propagá-la. Mas o que se propaga nunca é a Verdade. Só existe a Verdade quando estais livre da dor, da ansiedade, da agressividade que ora vos enchem a mente e o coração. Ao perceberdes tudo isso e alcançardes aquela bênção chamada amor, conhecereis então a verdade do que se está dizendo.



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